segunda-feira, 21 de julho de 2008

Ela



Ela não sabe nada. Pensa conhecer a si mesma, mas sempre se surpreende com um ou outro pensamento que não deveria estar ali, na sua cabeça, ou com um ou outro sentimento que jamais, em hipótese alguma, deveria fazer parte do seu ser. Sua essência, seus gostos e medos: mudou-se tudo. Até sua voz parece agora mais tranqüila, mais serena e pronta para falar de amor. Ela estranhou-se ao olhar-se de manhã no espelho do banheiro. Era ela mesma? Aqueles olhos radiantes de felicidade não eram seus, aquele sorriso irritante não poderia estar estampado no seu rosto. E sentia-se feliz. E sentia-se livre. Sentia-se, porém não entendia-se. E começou a se pegar rindo sozinha, falando consigo mesma, dialogando com as paredes e pensando alto, muito alto. E tomava um susto a cada vez que escutava seus pensamentos teimosos, que ela nunca quis ter. Mas eles estavam ali, e ela nada podia fazer. Paciência! Vai ter que aprender dessa vez. Ela estava temerosa, desconhecia tudo aquilo e não sabia como agir. Chorou ao pensar na possibilidade de sofrer de amor. Mas aquilo era amor? Por quem, afinal? Mais difícil ainda de responder. E aumentou o seu medo. Nada havia acontecido e ela já estava ali, chorando, e cheia de dúvidas. Covarde! Reage agora, vai! Ela que sempre se disse tão durona, tão isenta de sentimentos e afeições, via-se agora mergulhada em uns tantos que lhe eram simplesmente desconhecidos. Ela descobriu que não sabia de nada, ou que sabia pouco. E o pouco que sabia não era suficiente para responder às novas dúvidas que se instalaram dentro de si. Por vezes, viu sua imaginação tomar rumos que ela não queria e seguir percursos que lhe eram estranhos. Começou a ver-se impaciente, nervosa, esperando por algo que nem ao menos sabia o que era e se irritando com a demora. O que ela queria afinal? O que sentia? Não sabia, ela não sabia! E já lhe faltava paciência para tentar entender. De noite, no seu quarto, imersa em tantas interrogações acerca dos seus próprios sentimentos, resolveu não insistir e voltar a agir como sempre agira: indiferente e descrente a tudo isso. Ajeitou o travesseiro embaixo da cabeça, fez uma cara de “pouco importa” e disse para si mesma: “Ah! Eu vou é dormir!”. Deitou-se de lado e caiu no sono.

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Um ponto.
Não o ponto do i, o ponto
Final ou o de continuação.
Eu sou o ponto onde
A sílaba é átona,
Onde a entonação é fraca
E não há exclamação.
Eu sou o ponto fraco,
Onde acontecem os erros
E reside o medo.
Sou o ponto falho,
Onde a mentira é grave
E o sentimento é segredo.
Eu sou o ponto contra,
O saque mal dado,
A bola quicada no espaço errado.
Eu sou o ponto que não se encontra,
Que se diminui,
E que diminuto sempre tem estado.
Eu sou o ponto pelo qual
Não se deve olhar.
Sou a perspectiva mal elaborada,
A idéia errada, o d mudo de admoestar.
Eu sou o ponto que nunca é dado,
Que é apenas vontade.
Sou o ponto cego do passado,
Que lá ficou e não deixou saudade.
Sou o ponto que tranca,
Que é fechadura e não tem chave.Sou o ponto da mentira franca,que é solução e é entrave.Eu sou o ponto que incomoda,o ponto de tensão.Sou a certeza torta,que se faz morta e sem atenção.
Eu sou o ponto do lamento,
Da voz muda e da solidão extrema.
Eu sou a história absurda,
E se fosse acento,
Com certeza seria trema.