quarta-feira, 12 de maio de 2010

Beijosssssss


Estou deitada na cama, olhos fechados, dorso da mão esquerda sobre a testa, quando toca o telefone. É uma amiga, aflita. Diz que recebeu um e-mail de um rapaz em que está escrito "Oi", seguido de cinco pontos de exclamação. Continua: "Tudo certo para hoje", com sete interrogações. Minha amiga está intrigada com a pontuação do affair. "Esse monte de exclamações e interrogações me confunde", ela diz.

Isso me faz lembrar de um dia, há muitos, quando recebi um e-mail de um ex. Ele falava coisas sem importância (nada que eu me lembre agora ou cinco minutos depois) e terminava de um jeito que não esqueci por meses: "saudades…". Não era simplesmente "saudades", mas a palavra "saudades" seguida por reticências. Quase morri do coração, mãos na cabeça, cabeça em remoinho. Dia e noite, por muitos dias e inúmeras noites, tentei decifrar o significado dessas reticências. Consultei amigos, inimigos, búzios, estrelas e taxistas, mas nem eles foram capazes de me dar uma resposta definitiva.
‘"saudades!" é muito diferente de "saudades!!!" que é bem diferente de "saudades.", que não tem nada a ver com "saudades…"
As reticências poderiam dizer "volta pra mim, eu não sei viver sem você, fui um idiota". Ou "vamos nos encontrar, mesmo que seja por uma única noite, porque o meu corpo sente falta do seu". Ou "vamos usar a borracha que apaga tudo e dar mais uma chance pra gente, começando hoje à noite, depois de uma garrafa de vinho. Topa?".
A verdade é que a maioria dos mortais não consegue enxergar uma diferença que para mim é evidente: "saudades!" é muito diferente de "saudades!!!" que é bem diferente de "saudades.", que não tem nada a ver com "saudades…".
Meses depois, me dei conta de que aqueles três pontinhos não queriam dizer nada. Nada! Nada!!! Nada… Por acaso, eram três pontinhos, mas podiam ser três exclamações, ou um ponto final (na nossa história). Se bobear, poderia ser até uma interrogação: "saudades?".
Minha amiga acha que a ligação caiu.
- Tô ouvindo.
- Então?
- Então o quê?
- O que quer dizer essa seqüência de exclamações e interrogações?
- Ah, nada! Não quer dizer nada. Não tem nenhum significado oculto por trás das interrogações e exclamações.
- Jura?
- Responde logo esse negócio!
- Vou responder assim: Oi. Ponto. Confirmado. Ponto. Me pega às nove. Um único ponto de interrogação.
- Ótimo! Em última instância, os dois estão mantendo sua individualidade.
- E os beijos?
- Que beijos?
- Ele se despediu com "beijos" com vários "esses". Sabe como é?
- Beijossssssss. Sei…
- Acho muito melhor um beijo só: "beijo".
- Por quê?
- Ah, porque é um beijo na boca!
- Ele não vai entender dessa forma.
- Não???
- Só se você botar "beijo" seguido por reticências…
- "Beijo…"? Ah, não!!! Fica muito oferecido… Vou escrever que nem ele, porque aí, desde já, fica uma relação de igual pra igual.
- Você vai escrever beijos com vários "esses"???
- Oito "esses", que nem ele!
- Não combina com você.
- Ah, deixa eu responder esse negócio logo… Beijos!
- Beijos? Interrogação. Com quantos esses? Exclamação ou reticências?…
Ela desliga.
Volto a ficar sozinha na cama, olhos fechados, dorso da mão esquerda sobre a testa.

É esse silêncio que me mata.

CIUME


Fiquei desconsertada. E uma longa seqüência de perguntas endereçadas a mim, acuada no canto da mesa, tantas e sobre tantos temas, quando meu pensamento era um só. Taquicardia. E tome tremedeira - é o frio. Depois passou.

Pra seu governo, eu não me importo. Faça o que quiser, quando, onde, se, como, com quem preferir. Não ligo. A vida é boa e não oscila de acordo com a sua, seu passado, seu presente. Não existe nosso futuro, meu bem. Não tô nem aí. Fica com aquelazinha do cabelo Iemanjá - bate no meu queixo, veste roupa da coleção passada, é tão fofinha… Nem olho, nem tchum.

‘Esquento os lençóis com secador de cabelo, acendo a vela amarela de citronela, ligo um DVD de amor e não sinto falta de nada. Nada. Talvez chore na cena da despedida. '

Mas ninguém jamais vai saber

Depois daquele dia, veio outro, e mais outro, como todos que já vivi sem você. Alguém morreu? Hoje foi tão bom, sabia? Passei pela fila da vacina de rubéola segurando o tríceps, gemendo ai, fazendo medo nas pessoas, sendo que nem tinha sentido a agulha. Depois ri de boba, almocei meia garrafa e lanchei pipoca doce. Pedi um café, mas só tinha cerveja. Estava gelada de doer os dentes, como a noite, como eu e o vento, arrepiando meu cabelo preto. E tinha esse rapaz na mesa ao lado de olho no meu cruzar de pernas, cruzando meu olhar, olhando para mim. Bem ajeitado, o rapaz. Pedi mais uma cerveja e gastei três segundos - ou teria sido meia hora? - torcendo pra você passar na calçada. E me ver.
E daí que a noite está fria e a cama, vazia? Tomo uma novela de banho escaldante até embaçar os vidros de perfume. Com a ponta do dedo indicador, escrevo o meu nome bem grande no espelho. Embaixo, uma flor. Visto o pijama que minha mãe trouxe de Teresópolis: camisa pra dentro da calça, calça pra dentro da meia. Esquento os lençóis com secador de cabelo, acendo a vela amarela de citronela, ligo um DVD de amor e não sinto falta de nada. Nada. Talvez chore na cena da despedida.

Não preciso de você, não quero te ver e espero que você não me veja. Se alguém perguntar, diz que não sabe de mim, que sumi, que me arrependi, que endoidei, que não quero te ver nem pintado de roxo. E olha que roxo é das minhas melhores cores.

Sei muito bem viver sem você. Aprendi, decorei lições, pratiquei e, adivinha, atingi a perfeição. Hoje, tiro de letra. Vacinada, sei estacionar de ré, tenho carteira assinada, troco pneu, abro vidro de palmito, adoro um saca-rolha, conserto computador, carrego peso, arrasto móvel, bato martelo e tenho maleta de ferramentas própria. Sou auto-suficiente, me auto-estimo, me autofaço cafuné, me autoponho pra dormir. Complica quando sonho.

(É só ciúme. Desculpe.)