terça-feira, 6 de julho de 2010

Amantes


Delicadeza, querida, delicadeza. Você confunde as coisas e acha que me refiro a fraquezas de todo tipo. Eu senti saudades, mas tive medo: um medo danado de voltar. A sua casa é tão bem feita, tão sutil, a sua casa não é rubra como você. Há um tapete de boas-vindas na entrada. Eu piso nas boas-vindas, sempre. Sempre sei que o encontro será devastador: sei que você, invariavelmente, morde. Para depois acariciar. E depois cantar aquelas suas melodias bonitas que me fazem entardecer. Eu entardeço em você: ouço, suavizo, admiro. Eu contemplo por amor: contemplo o seu espetáculo. Você diz que a tarde come seus miolos. Conta que a noite é fúria. Você inventa animalidade para todo inanimado que, surpreendentemente, aí respira. Todas as vezes em que estive aí – e em que pisei no chão de suas boas-vindas – eu senti a ofegância assustadora da natureza morta. Da não-natureza. Do não-vivo. Respirava em mim a lâmpada da sala e cochilava aos roncos a televisão que fazia você correr atemorizada. Eu entendia o que levava você a ter medo de sua casa: e era por isso que eu era errada ali. Para ajudá-la, eu precisaria compreender menos. Precisaria tomar como tolice tudo o que você tentava explicar com sua lógica. Eu precisaria – para lutar por você - não estar tão ao seu lado. Não estar tão em você. Precisaria?

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(ou você me suporta, junto a você, lutando contra os monstros que ninguém mais vê?)

Fome


Se tenho fome? Muita. Fome de vocês. Alimento-me tremendamente até fartar, e sempre falta, como se não houvesse fundo aqui. É tão simples que vocês nem chegam a perceber: nem bem lançam ao mundo um olhar mais lânguido, um sorriso mais frouxo, um medo mais devastador ou uma certa beleza que faz tontear, e cá estou eu, devoradora, iniciando meu ritual pagão. Minha vontade imensa da força inumana de vocês. Do animal que pulsa. Abro-me, pois, à selvageria delicada de devorar momentos. Abocanhar instantes. Comer, comer, comer, e me lambuzar de gente. Toda carinhosa, brincando de oferecer amor, confesso aqui e agora meu egoísmo crônico: minha vontade é sempre a de sugar. O néctar de cada um. E vocês nem notam. É que, por gentileza, sempre deixo de presente um pedacinho de mim. Como num mágico ritual de troca, eu - feiticeira em carne, sangue e espírito – faço uma mistura de nós todos num caldeirão de instantes. E apreendo o agora. Nada mais que o agora. O agora que é um grito solto no infinito. E pára aqui, bem na minha mão. O agora que eu pego e transformo em história. Dou a ele o nome de passado e mastigo, mastigo, mastigo ferozmente com meus caninos afiados, até que fique macio como um anteontem. Todo feito de saudades. Eu faço saudades de vocês, e vocês são muitos. Às vezes lhes esqueço os nomes e as feições. Recordo-me apenas do arrepio intenso que me provocaram. Eu como arrepios. Fazem cócegas na garganta e no coração.