quarta-feira, 27 de maio de 2009

Ei..


Posso ficar na sua casa hoje?

Abra a porta e me receba de braços abertos. Talvez seja essa a minha maior carência: um abraço. Sem obrigação ou frieza. Cheio de ternura e acolhida. Como deveria ser sempre.

Não, não digas nada. Palavras hoje são dispensáveis. Vamos relembrar aquele tempo em que bastava um olhar para que tudo fosse compreendido. Não é saudosismo, nem a ilusão de que ontem foi melhor que o presente. Falo da sabedoria quem vem com o tempo e que nos ensina que todo momento deve ser apreciado. Pegar o que houve de melhor, aprender com o que doeu e seguir. Em frente, ao lado, em cima embaixo. Pouco importa.

Despojaremos no colchão no chão. Aquele que apesar de velho continua confortável. As almofadas amarelas que por várias vezes caíram quando resolvíamos pôr ordem em casa. Mas hoje só as almofadas. Esqueça a ordem. Me traga pijamas e porcarias pra comer.

Vamos assistir à comédias, dramas, aventura. Chorar e rir. Extremos da terapia alternativa que é a sétima arte. Um brinde à catarse!

A essa altura nem preciso dizer que os telefones estarão desligados. Por que é tão fácil se conectar e não se ligar a ninguém? Hoje, interações pessoais só as face-a-face. Você e eu.

Se acaso tiver um daqueles compromissos inadiáveis, não se preocupe. Deixe a porta aberta. Ao voltar eu estarei à sua espera.

Vitrola: Ray LaMonatagne – Be here Now

Quando ??


- Posso fazer uma pergunta?
- Claro.
- Quando é que você se apaixonou por mim?
- Naquele dia em que você disse que lia até bula de remédios. Adoro mulher que lê.

Inquieto


Já me sentei e levantei várias vezes.
Busquei os lenços de papel. Peguei uma bebida. Respondi as mensagens de celular. Olhei as louças sujas, mas decidir não lavá-las. Só agora comecei a escrever. Sinto muito. Preciso levantar novamente. (...)

(...) Olhei mais uma vez o celular. Respondi mais mensagens. Fui ao quarto pegar casaco. Ajeitei um pano. Coloquei uma música e não gostei. Voltei a escrever. Tomo um gole da bebida. E mais outro. E não me entorpeço. Continuo procurando uma canção. Que seja capaz de me inspirar e acalentar essa ansiedade toda. E não encontro.

Apago a luz e fico a espera de uma idéia. Até que depois de outro gole ouço na vitrola um jazz. “Dance me to the End of Love”. Me imaginei nos anos 30 como algum personagem de um escritor americano, bebendo um vinho barato, em frente a máquina de escrever prestes a criar o melhor texto de sua vida. Capaz de pagar suas dívidas e trazer consigo um grande amor. Nada mais marginal que isso, nem nada mais solitário.

E cá estou eu. Sem grandes pretensões quanto a essa produção. A bebida também está aqui. Mas não é um vinho barato. E a minha “máquina de escrever”, reluzente na sala escura, libera a trilha que só eu sou capaz de ouvir.

Quem seria capaz de escrever um personagem como eu? Tão cheia de ângulos? O avesso do avesso? Tão inquieto quanto eu.

Totalitária


Hoje acordei meio totalitária

Não quero saber de meio ambiente, nem de paz no mundo

Não quero pagar a dívida externa, nem falar de democracia


Hoje acordei meio totalitária

Não quero respostas, nem surpresas

Não quero perguntas, nem imperativos



Hoje acordei meio totalitária.

Não quero palavras, nem ponto-e-vírgula

Não quero opiniões, nem inferências


Hoje acordei meio totalitária.

Não quero previsão do tempo, nem café com torradas

Não quero almoço, nem esperar pela sobremesa


Hoje acordei meio totalitária.

Não quero andar a passos largos, nem pedir carona

Não quero dividir, nem somar


Hoje acordei meio totalitária

Tudo que eu preciso é dormir e acordar novamente...



"E se me achar esquisita, me respeite também.

Até eu fui obrigada a me respeitar" Clarice Lispector