terça-feira, 14 de julho de 2009

Mentira




A mentira talvez seja a atitude mais emblemática do “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” ou da distância entre a intenção e o gesto. Em todas as suas formas variadas, como a dissimulação, a omissão e a fantasia, ela está onde o homem está. Aliás, mais ainda, ela está onde um resquício de consciência existe, posto que mesmo os animais, como os gatos e os cachorros, enganam.

Não tenho o menor objetivo de estudar a fundo esse assunto. Acho que céus e terras passarão, mas este assunto não se esgotará, de forma alguma. Então, deixando as grandes questões filosóficas e existenciais de lado, vamos ao que interessa: os problemas de ordem corriqueira decorrentes de contar uma mentira.

Como exposto de forma exagerada em um episódio de The Big Bang Theory, o problema da mentira é ter que agir pra impedir que ela seja descoberta. Seu objetivo, depois de alguns dias, horas ou, em casos muito críticos, minutos, passa não ser mais a encobrir a verdade original, mas a sustentar a teia de mentiras.

Sim, pois há um corolário à prática deste delito: uma mentira leva a outra, que leva a outra, que leva a mais duas e assim em diante até o final dos tempos ou até que o assunto seja esquecido, se você tiver muita, muita sorte. Ou até que você seja desmascarado, o que não vai ser legal, mas você já sabe disso.

Às pessoas experientes neste ato, criar uma história e amarrá-la de forma segura a conceitos e fatos que não interessam nem um pouco ao seu interlocutor é quase natural. Assim, corriqueiramente, pode-se dizer que não pode fazer algo porque tem uma tarefa pra completar pra faculdade [jogando no Kongregate], pode-se evitar uma festa de aniversário porre porque tem que fazer algumas coisas no Centro da cidade [ler na livraria local ou perambular mesmo] ou pode-se dizer que foi o incenso que produziu aquele cheiro adocicado levemente familiar à memória do seu pai crescido na década de 1970.

O máximo que isto suscitará serão perguntas sobre novos hábitos ou uma ou outra explicação adicional, mas nada muito aprofundado. O grande problema é quando você erra a mão e, estatisticamente, dado que mentimos umas cem vezes, pelo menos, por dia, até sem perceber, isso está fadado a acontecer. Talvez antes do final deste mês. Ou desta semana. You never know.

Já me aconteceu de dizer que morava em Botafogo [nem me pergunte por quê escolhi este bairro em específico... foi aleatório] e dar azar de indicar a mesma rua em que a tal pessoa vivia… tive que me esquivar de uma oferta de dividir um táxi e pensar em trinta motivos para fazê-lo, enquanto tinha que decidir quais coisas devia dizer que conhecia/lembrava e quais não das que ela me dizia. Não é agradável, mas, por sorte, nosso contato é marginal e isso não vai me afetar diretamente. Acho.

Isso leva a outro problema prático de mentir: o envelhecimento da mentira. Às vezes, isto pode ser uma grande benção. Se você for esperto, fará com que ela evolua até uma verdade. Por exemplo, eventualmente, posso me mudar de Botafogo para o bairro correto ou mesmo para Petrópolis. Ou dizer que foi tudo bem na prova ou na apresentação para a qual estava estudando naquele dia.

Por outro lado, a nossa memória não costuma ser a coisa mais confiável do mundo, especialmente à medida que avançamos nas décadas de existência. Se já não conseguimos lembrar de todas as coisas verdadeiras, que dirá das ficções que inventamos para nos proteger mesmo que de um mal imaginário? A resposta “Do quê você tá falando?” pode ser fatal.

Então, no final das contas, a verdade é mais prática do que a mentira. Exceto que não conheço ninguém que lide muito bem com a sinceridade suprema. Além disso, some-se isto à história das “mentiras brancas”, aquelas que não fazem mal a ninguém e pronto. Bem-vindo ao deserto do real. Onde nada é verdadeiro e tudo não passa de uma grande farsa encenada por todos, se você escolher este ponto de vista.