segunda-feira, 19 de abril de 2010

Suficiênte



Fechar os olhos e sentir seu cheiro, acordar pensando em você e sabendo que a noite inteira você me visitou nos meus sonhos, agradecer por não me lembrar. A cama cresceu de tamanho e o peito diminuiu.
Eu espero o telefone tocar naquele momento oportuno, e quando chego em casa olho feliz pela janela um vulto que desce a rua, mas não é você. Eu escrevo sem ter destinatário e espero uma carta que não tem meu endereço. Quem vai me levar no médico e fazer um chá de limão com alho que eu não vou querer tomar? E quem vai me esperar na porta de casa com uma camisa velha e desbotada, com cara de sono e a barba mal-feita e um cigarro na mão? Quem vai me abraçar quando eu chorar vendo a novela?
Fiz de tudo para apagar da memória seu rosto, seu beijo, seu falar, seu apartamento. Tentei afogar as mágoas no álcool libertador, mas esse só me trouxe mais saudades das vezes em que você bebeu comigo e demos risada como crianças, dançando pelas ruas da cidade. Fugi da sua lembrança e da sua existência e da sua presença incessante nos livros, discos, filmes…mas quando me distraio, mesmo que por um segundo, é seu sorriso que me aparece, como uma assombração, como um aviso, como um alerta. Como um espectro do que é o amor.
Às vezes eu esqueço e acho que posso suspirar de novo, como no começo, mas os suspiros são de saudade sua. Uma saudade que machuca e que eu deixo doer, pra ver se passa. Uma saudade de tudo que foi e de tudo que eu achei que poderia ser mas que não teve a oportunidade. Por que eu coloquei meu coração na mesa, abri, dissequei e mandei você olhar lá dentro, mas você disse que não, que não gosta de sangue. Você disse pra eu guardar, que não era bom deixar ele ali, tão desprotegido. Quando na verdade era você quem devia proteger e me tirar daqui, me levar pra algum lugar onde você esteja.
A saudade vai aos poucos se tornando solidão, e solidão dói mais. Às vezes vem a raiva me fazer companhia, mas ela não é forte o suficiente pra mandar a tristeza embora, então elas se juntam e viram uma sensação de derrota. Que não é mais sensação, senão derrota mesmo.
Me disseram que o amor é o ridículo da vida. Me disseram que o amor é dor, é fogo, é lindo. Só não me disseram que o amor não é suficiente. E eu que achei que tinha amor de sobra, me enganei? Mas pra mim sobrou amor. Tem por todos os cantos da minha casa, na minha bolsa, na minha agenda e nas roupas sujas jogadas pelo quarto. Sobrou demais, tanto que não tenho onde colocar, justo eu que não sou organizada tenho esse monte pra colocar em algum lugar seguro. Aí ele fica largado pela sala, alguém passa em cima e nem vê, ou então joga no lixo junto com o resto da comida chinesa largada há dias. Quando eu vou te encontrar, vou pegando ele de qualquer jeito, junto tudo numa mala e te levo pra ver se você quer, mas ele fica saindo pelos lados, transbordando, e você quer que eu guarde. Quer que eu deixe lá, trancado pra quando der vontade. Pra quando tiver certeza. Mas as certezas não existem. A gente inventa, molda com massinha e coloca dentro da nossa cabeça. Ela gruda tão forte que a gente pensa que acredita nela, pensa que ela está lá. E quando não está a gente acha que falta algo, que precisa dela; sem saber que o que a gente precisa a gente já tem. O que você precisa você já tem.